Iniciativa
CNSeg - Confederação Nacional das Seguradoras

A saúde suplementar no Brasil

A industrialização que marcou as décadas de 1950 e 1960 forneceu o contexto propício para o surgimento do mercado de saúde suplementar no Brasil. O país avançava “cinquenta anos em cinco”, por meio do Plano de Metas, quando os primeiros serviços de assistência médico-hospitalar foram estruturados para o atendimento dos empregados da indústria em expansão, principalmente a automobilística na região do ABC.

Ainda antes disso, a política previdenciária de saúde teve origem com a criação das primeiras Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs), instituídas pelo Decreto nº 4.682, de 24 de janeiro de 1923. Mais conhecida como Lei Eloy Chaves, a nova regulamentação reconheceu o direito dos contribuintes “a socorros médicos em caso de doença em sua pessoa ou pessoa de sua família” e “a medicamentos obtidos por preço especial” (BRASIL, 1923).

Marco do início da Previdência Social no Brasil, a Lei Eloy Chaves também permitiu a aposentadoria de funcionários do setor ferroviário com 30 anos de serviços e idade mínima de 50 anos. Além disso, estabeleceu que cada companhia ferroviária deveria criar uma CAP (Caixa de Assistência e Previdência), ou seja, um departamento incumbido do recolhimento da contribuição de funcionários e de empregadores, e do pagamento do benefício a aposentados e pensionistas (BRASIL, 1923).

Proposta pelo deputado federal Eloy Chaves e sancionada pelo presidente Arthur Bernardes, a nova lei foi uma resposta às sucessivas greves e paralisações dos ferroviários em prol de direitos trabalhistas básicos como o reajuste salarial periódico, adicional noturno, auxílio médico, férias e aposentadoria, conforme destacou o próprio Chaves durante a defesa do projeto: “Até agora os funcionários das ferrovias do país não têm nenhuma garantia para seus dias de velhice e para arrimo de sua família em caso de morte. É verdade que em algumas companhias existem sociedades beneficentes com ação limitada a socorros médicos e medicamentos, mas isso não basta. Estamos em novos tempos (…) Este é apenas o primeiro degrau de uma longa escada” (apud WESTIN, 2019). E de fato foi. Sessenta e cinco anos mais tarde, a Constituição Federal (1988) reconheceu a aposentadoria e a saúde como um direito de todos.

De 1923 até 1988, o acesso à saúde esteve vinculado a determinados segmentos da classe trabalhadora. Aqueles que não faziam parte de nenhuma categoria profissional recorriam às Santas Casas de Misericórdia, cuja origem precede a própria formação do Estado brasileiro. Em 1824, quando o país ganhou a sua primeira Constituição, já haviam sido fundadas as Santas Casas de Santos (1543), Salvador (1549), Rio de Janeiro (1567), Vitória (1818), São Paulo (1599), João Pessoa (1602), Belém (1619), São Luís (1657), Campos (1792), Porto alegre (1803) entre outras (CMB, 2020).

A Confederação das Santas Casas de Misericórdia e Hospitais Filantrópicos – CMB destaca que a atuação dessas instituições teve duas fases distintas: a primeira foi do século XVIII até 1837 e tem natureza caritativa, e a segunda se estendeu de 1838 a 1940, e teve caráter filantrópico. Para a CMB, a filantropia se distingue da caridade ao priorizar o fornecimento de conselhos e orientações: “É preciso não só recolher as pessoas, mas dar-lhes orientações que promovam o reerguimento da família e, consequentemente, da sociedade. Portanto, ao assistir enjeitados e marginalizados, há a preocupação com o destino destes indivíduos, em torná-los úteis à sociedade. Assim, a caridade cede lugar à filantropia” (CMB, 2020).

Na década de 1930, os Institutos de Aposentadorias e Pensões – IAPs ampliaram o trabalho que vinha sendo desenvolvido pelas Caixas de Aposentadorias e Pensões. Enquanto cada CAP cuidava das aposentadorias de uma única empresa, os IAPs tinham abrangência nacional e beneficiavam uma categoria profissional inteira. O Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Marítimos – IAPM foi criado em 29 de junho de 1933, e a ele se seguiram o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários – IAPC (1934), o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Bancários – IAPB (1934), o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários – IAPI (1936), o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Empregados em Transportes e Cargas – IAPETEC (1937), o Instituto de Aposentadoria e Pensões da Estiva – IAPE (1938), e o Instituto de Previdência e Assistência aos Servidores do Estado – IPASE (1938). Os Institutos eram geridos por pessoas nomeadas pelo Presidente da República e materializaram o maior comprometimento do Estado com a política de proteção social.

Atendendo às pressões dos segurados pela melhoria e ampliação dos serviços, após 1945 os IAPs expandiram as suas áreas de atuação passando a incluir também serviços de alimentação, habitação e saúde, contudo, esta ampliação não foi acompanhada da necessária reformulação da gestão financeira, o que gerou uma grave crise.

A falta de planejamento também foi responsável por disparidades na qualidade do serviço oferecido às diferentes categorias profissionais, conforme revelou a pesquisadora Alzira Alves de Abreu: “a qualidade do atendimento variava também de acordo com a organização de cada Instituto, havendo categorias bem servidas ao lado de outras precariamente atendidas. Havia ainda o problema da população marginalizada (desempregados e subempregados) que não contava com qualquer assistência. Em contraste com a população dos grandes centros urbanos, a população do interior tampouco recebia qualquer tipo de atendimento” (ABREU, s.d.).

Se por um lado os IAPs enfrentavam sérias dificuldades, por outro a indústria demandava um número cada vez maior de profissionais saudáveis e aptos para o trabalho. Foi então que algumas empresas de grande porte estruturaram internamente os seus próprios serviços de assistência à saúde, o que demandou altos investimentos.

Foram nestas circunstâncias que o imigrante polonês, Juljan Czapski, recém-formado no curso de Medicina da Universidade de São Paulo, começou a trabalhar como residente no Hospital das Clínicas e a complementar a sua renda como médico na Ultragaz, uma das modernas empresas que forneciam o benefício de assistência à saúde aos seus funcionários (MEDICI, 2010, p.1).

Em 1956, uma greve na Ultragaz levou os proprietários a cancelarem a assistência médica dos funcionários, Czapski ofereceu a solução de substituir os serviços médicos prestados internamente pela contratação de uma empresa terceirizada especializada em saúde, capaz de fornecer atendimento simultaneamente a várias outras empresas. Naquele mesmo ano Juljan Czapski criou a Policlínica Central, que marca o início da medicina de grupo no Brasil. A Policlínica rapidamente conquistou grandes clientes, e no início dos anos de 1960 já atendia cerca de 30 mil pessoas. Dez anos depois Czapski se tornou um dos fundadores e o primeiro presidente da Associação Brasileira de Medicina de Grupo de Empresa – ABRAMGE (MEDICI, 2010, p.2).

Ao surgimento da medicina de grupo se seguiu as cooperativas de trabalho e os seguros de saúde. A primeira cooperativa de trabalho do Brasil, e das Américas, foi a União dos Médicos (Unimed), fundada em Santos, em 18 de dezembro de 1967, a partir da iniciativa de médicos liderados pelo ginecologista-obstetra Edmundo Castilho. A Unimed surgiu com o objetivo de complementar o trabalho do Instituto Nacional de Previdência Social – INPS, oferecendo um serviço de excelência para toda a cadeia corporativa, desde executivos aos funcionários mais simples.

Frente a malograda tentativa do governo federal de fortalecer a Previdência Social por meio da unificação dos seis Institutos no Instituto Nacional de Previdência Social, em 1966, o sucesso da Unimed Santos impulsionou a rápida expansão do cooperativismo médico por Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Pernambuco, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraíba nos anos seguintes (FONSECA, 2008, p.19 e 26).

O Direito do Consumidor

A década de 1960 também foi marcada por profundas transformações nas relações de consumo no Brasil e no mundo. Em 15 de março de 1962 o então presidente dos Estados Unidos, John Kennedy, defendeu durante um icônico discurso ao Congresso Nacional o direito do consumidor à segurança, à informação, à escolha e ao direito de ser ouvido. Este dia é lembrado até hoje como o “Dia Mundial do Consumidor”, e é celebrado anualmente em todo 15 de março (FARIA, 2022). “Todos nós somos consumidores. Todos nós temos o direito de sermos protegidos contra a fraude ou propagandas e marcas má conduzidas. O direito de sermos protegidos contra remédios e outros produtos sem valor e que não são seguros, o direito de escolher entre uma variedade de produtos com preços competitivos”, afirmou Kennedy (KENNEDY, 1962).

No Brasil, os debates sobre a proteção de consumidor ganharam fôlego nas décadas de 1960 e 1970, tendo como pano de fundo crises econômicas e sociais. A elevação do custo de vida decorrente da alta inflacionária desencadeou fortes mobilizações sociais. Foi então que nos anos 70 surgiram os primeiros órgãos de defesa do consumidor, como a Associação de Proteção ao Consumidor – APC, em Porto Alegre, a Associação de Defesa e Orientação do Cidadão – ADOC, em Curitiba, e o Grupo Executivo de Proteção ao Consumidor, atual Fundação PROCON SP (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA, 2016).

Os anos 80, mais conhecidos pela recessão econômica e pela redemocratização, foram palco do movimento consumerista, que defendeu a discussão da defesa do consumidor na Assembleia Nacional Constituinte. A Constituição de Federal de 1988 consagrou a proteção ao consumidor como direito fundamental do cidadão e princípio da ordem econômica, cabendo ao Estado a promoção da defesa do consumidor, na forma da Lei (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E SEGURANÇA PÚBLICA, 2016).

Com a entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor – CDC, em 11 de março de 1991, emergiu um número significativo de reclamações concernentes ao aumento de mensalidades, restrições da assistência, e cláusulas abusivas, materializando crescentes dissidências entre a população e as empresas de saúde privada. As demandas pautadas naquele contexto culminaram na criação da Lei nº 9.656, de 03 de junho de 1998, também conhecida como Lei dos Planos de Saúde, após cerca de dez anos de tramitação no Congresso Nacional.

A Lei 9.656/98 é fruto de um extenso debate que teve início em 1989, na Superintendência de Seguros Privados – SUSEP, do Ministério da Fazenda. Sandro Leal Alves, Superintendente de Estudos e Projetos Especiais da FenaSaúde e autor dos livros “Fundamentos, Regulação e Desafios da Saúde Suplementar no Brasil” (2015) e “Análise econômica da regulamentação da saúde suplementar” (2004), afirma que:

A preocupação da área econômica referia-se aos aumentos dos valores dos planos, à possibilidade de evasão fiscal decorrente da natureza filantrópica de algumas empresas e do caráter de prestação de serviços de outras, implicando redução na arrecadação dos impostos. A partir de então, a SUSEP passou a defender a normatização do setor, ficando essa entidade responsável pela regulação das empresas de saúde suplementar (ALVES, 2015, p. 82).

As discussões tinham como fio condutor a necessidade de redefinir a abrangência das atividades das empresas que operavam planos de saúde. As entidades que se inseriram nos debates sobre a normatização da saúde suplementar eram favoráveis à garantia de uma cobertura ampla, (ALVES, 2015, p. 82).

A concepção da Lei 9.656/98 não foi marcada pelo consenso. Em entrevista ao Centro de Documentação e Memória do Mercado Segurador – CEDOM, em outubro de 2015, o então presidente da Confederação Nacional das Seguradoras – CNseg, Marcio Coriolano, que foi testemunha ocular de grandes marcos da história do seguro ao longo da sua trajetória profissional e que na data da entrevista exercia o seu segundo mandato na presidência da Federação Nacional de Saúde Suplementar – FenaSaúde (2013-2016), relatou que:

Existia um conflito muito grande entre várias propostas e acabou que o Ministério da Fazenda pediu à Susep que fizesse uma proposta para a regulamentação dos planos de saúde, e a nossa proposta (…) se cingiu de trazer para o restante do mercado de saúde as mesmas regras que a Susep já tinha para o mercado de seguros.

(…) A Lei que originalmente saiu da Câmara de Deputados para o Senado estabelecia o seguinte: ‘todas as operadoras do lado de cá, as não seguradoras, vão ter que observar o mesmo tipo de regramento que as seguradoras observam com relação a capital mínimo, reserva, solvência etc. Mas ela trouxe uma novidade que também alcançou as seguradoras (…) elas também vão ter que oferecer um produto que dê conta de todos os tratamentos de saúde relacionados pela Organização Mundial de Saúde chamada Classificação Internacional de Estatísticas de Doenças – CID 10 (…).

Este projeto saiu assim da Câmara dos Deputados e foi para o Senado (…) A lei foi editada como Medida Provisória e a Medida Provisória para ter validade, se não fosse votada, ela tinha que ser modificada a cada mês. Para vocês terem ideia chegaram a ter 44 edições dessa Medida Provisória sucessivas (…) até que houve uma modificação no quadro legislativo e, embora ela não tenha sido votada até hoje, foi acolhida como lei final depois desta 44ª edição (CORIOLANO, 2015).

Logo após ter sido aprovada pelo Senado, a Lei 9.656/98 foi alterada pela Medida Provisória nº 1.665/98 que inaugurou uma série de novas alterações ao longo de três anos, até que em agosto de 2001 a última edição foi dada pela MP 2.177-44. A diretora executiva da CNseg, Solange Beatriz Mendes, que participou da primeira gestão da Agência Nacional de Saúde Suplementar, sendo diretora de Normas e Habilitação das Operadoras da ANS (2000-2004) e, posteriormente, presidente da FenaSaúde (2016-2019), também revelou fatos curiosos sobre este marco emblemático da história do setor em entrevista ao CEDOM, em julho de 2016:

 

(…) naquela época já se discutia o projeto de lei da reforma e da regulação da saúde suplementar (…). Então a Susep, que na época controlava o seguro saúde (…), participou das discussões junto com a Fazenda, o Ministério da Justiça e o próprio Ministério da Saúde. Essa discussão então levou à edição da Lei nº 9.656, em que eu participei ativamente junto com demais representantes do governo.

O projeto foi aprovado na Câmara e quando foi para a aprovação do Senado, o Senado reagiu a várias das proposições apresentadas. Quando dessa reação o Ministro Serra, já Ministro da Saúde, estava com uma grande responsabilidade, porque naquele momento o país estava atravessando uma crise no setor de saúde e vários Estados já estavam editando leis estaduais (…) e caso a União não editasse uma norma própria, se estabeleceria o caos no país, cada Estado legislando sobre essa matéria. Então foi quando o Ministro Serra fez o grande acordo com o Senado de que o Senado aprovaria a Lei, como apresentada pela Câmara, e no dia seguinte seria editada uma Medida Provisória trazendo então aqueles dispositivos que o Senado estava defendendo à época, e isso foi feito (MENDES, 2016).

Na última edição do normativo estavam plenamente contempladas a regulamentação da oferta de coberturas de atendimento ambulatorial (consultas médicas, serviços de apoio diagnóstico, tratamentos antineoplásicos, e demais procedimentos ambulatoriais), de internação hospitalar (internações hospitalares e em centros de terapia intensiva, honorários médicos, serviços de enfermagem, exames complementares, medicamentos, anestésicos, transfusões, sessões de quimioterapia e radioterapia, e despesas de acompanhante) e de atendimento odontológico (consultas e exames, procedimentos preventivos, além de cirurgias orais menores, assim consideradas as realizadas em ambiente ambulatorial e sem anestesia geral).

A Lei dos Planos de Saúde assegurava ainda cobertura assistencial ao recém-nascido, filho natural ou adotivo do consumidor ou de seu dependente, durante os primeiros trinta dias após o parto, quando o plano incluir atendimento obstétrico, e cirurgia plástica reconstrutiva de mama, para o tratamento de mutilação decorrente de utilização de técnica de tratamento de câncer.

Entre as principais novidades trazidas pela Lei 9.656/98, destacam-se:

a) proibição da rescisão unilateral dos contratos por parte das operadoras; b) controle governamental dos reajustes de preços dos planos de saúde individuais; c) proibição de seleção de risco por doença ou lesão pré-existente; d) regulamentação das coberturas mínimas obrigatórias; e) controle atuarial de preços de venda dos planos; f) regras de entrada, operação e saída de operadoras; g) preços limitados pela regra de faixas etárias; e h) regulamentação dos períodos de carência (ALVES, 2015, p. 84).

A Lei 9.656/98 provocou mudanças estruturais no setor. “Antes da regulamentação não havia uma definição clara da cobertura obrigatória. Os contratos entre o consumidor e as operadoras permitiam, inclusive, a exclusão de beneficiários com doenças crônicas, como por exemplo, doenças psiquiátricas, câncer, HIV…”, afirmou Karla Coelho à Rádio CNseg, então diretora da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, no contexto da celebração dos 20 anos do marco regulatório (COELHO, 12 de junho de 2018).

Para Sandro Leal, “pode-se dizer que o ‘espírito da lei’ atuou no sentido de aumentar a rede de proteção aos consumidores de planos, principalmente os individuais, por meio da regulação e fiscalização das atividades das operadoras bem como pelo desenho dos contratos” (ALVES, 2015, p. 84).

Inicialmente foi adotado o sistema de regulação bipartite pelo Senado Federal: os aspectos econômico-financeiros, as normas para autorização de funcionamento das operadoras, os registros dessas entidades, a política de reajustes e os atos de fiscalização foram delegados ao Ministério da Fazenda, por meio do Conselho Nacional de Seguros Privados – CNSP e da Superintendência de Seguros Privados – Susep. Já as atividades ligadas a assistência à saúde, ao registro de produtos das operadoras e atos de fiscalização ficaram sob a responsabilidade do Ministério da Saúde, por intermédio do Departamento de Saúde Suplementar – DESAS da Secretaria de Assistência à Saúde – SAS e do Conselho de Saúde Suplementar – CONSU. Criado pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 24 de agosto de 2001, o CONSU editou 23 Resoluções nos seus primeiros anos de atividade.

A autora Luciana Souza da Silveira afirma na edição de nº 26 do Cadernos de Seguros que “em um segundo momento o Ministério da Saúde passou a ser responsável pelos dois níveis da regulação do setor: o econômico-financeiro e o de assistência à saúde. O CONSU passou a absorver as atribuições do CNSP enquanto o DESAS/SAS assumiu as da Susep” (SILVEIRA, 2005, p.10). Com a criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS pela Lei 9.961/2000, todas as atribuições de regulação do mercado de saúde suplementar passaram à ANS, inclusive, a competência de conceder autorização para o ingresso de operadoras de planos privados no mercado de saúde suplementar.

Concebida como órgão de regulação responsável pelo controle, fiscalização e normatização da saúde suplementar, a ANS foi criada com a finalidade de promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde, contribuindo para o desenvolvimento das ações de saúde no país.   O presidente da CNseg, Marcio Coriolano, que testemunhou todas estas transformações, destaca que:

Foi muito duro o início, a adaptação, para as seguradoras em geral (…) muita exigência normativa, muitas modificações. No início a lei trazia dois espaços diferentes de regulação, um relativo a produto, relativo à assistência, que era o Ministério da Saúde quem cuidava, e a Susep cuidaria da parte econômico-financeira. Mas não deu certo. Houve um atrito muito forte entre Ministério da Saúde e Susep e culminou que o Ministério da Saúde ganhou esta queda de braço e trouxe para si todas as funções de regulação, incluindo as próprias seguradoras (CORIOLANO, 2015).

Atualmente a saúde suplementar atravessa uma nova etapa da sua história no âmbito regulatório. Dezoito anos após o seu esvaziamento, o Conselho de Saúde Suplementar – CONSU retomou as atividades em 22 de agosto de 2018, durante reunião marcada pela presença do Ministro Chefe da Casa Civil da Presidência da República e dos Ministros de Estado da Justiça, da Saúde, da Fazenda e do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, que conta ainda com a participação e o apoio técnico da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS.

Aprovado pelo Decreto nº 10.236, de 11 de fevereiro de 2020, o regimento interno do Conselho de Saúde Suplementar elege como suas competências: estabelecer e supervisionar a implementação e a execução de políticas e diretrizes gerais do setor de saúde suplementar; aprovar o contrato de gestão da Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS; supervisionar e acompanhar as ações e o funcionamento da ANS; deliberar sobre a criação de câmaras técnicas de caráter consultivo de forma a subsidiar e fundamentar as suas decisões; e monitorar o cumprimento de suas resoluções, entre outras responsabilidades (BRASIL, 2020).

Para Solange Beatriz Mendes, a reativação do CONSU “é uma boa notícia para todos os agentes da cadeia produtiva desse segmento, desde operadoras e seguradoras de saúde até ao consumidor, passando por profissionais de saúde, laboratórios, hospitais e indústria farmacêutica”, na medida em que tem o objetivo de estabelecer e supervisionar a execução de políticas públicas e diretrizes gerais para a saúde suplementar e vem atender à uma antiga reivindicação do setor (MENDES, 2019).

A criação da FenaSaúde 

Com a promulgação da Lei 10.185/2001 as empresas que já operavam o seguro saúde conjuntamente com outros ramos de seguro, precisaram providenciar a sua especialização junto à Superintendência de Seguros Privados – Susep, mediante cisão ou outro ato societário. O presidente da CNseg lembra que esta lei criou um ambiente favorável à gestação da Federação Nacional de Saúde Suplementar – FenaSaúde:

Em 2001 houve uma nova lei, a 10.185, que exigiu que as seguradoras que operassem em saúde fossem segregadas dos grupos econômicos de seguradores. O que era um ramo de negócio passou a ser uma seguradora em separado (…).

Logo em seguida, isso foi até ideia do Trabuco (…) ele achava que era a hora das operadoras de saúde, indistintamente (…) terem um mesmo espaço de discussão, de deliberação, enfim, de proposição para fins de regulação de governo e assim por diante, então a FenaSaúde nasceu com esse propósito, com um diagnóstico muito claro que o Trabuco[1] fez na época: ‘como não tem diferença entre segurador e não segurador, vamos criar uma Federação que una aqueles que têm maior compromisso com o negócio, que possam trocar maior experiência com todas as seguradoras’ (…) A FenaSaúde é uma intersecção entre as seguradoras e parcela considerável das medicinas de grupo (CORIOLANO, 2015).

Solange Beatriz Mendes também lembra que:

No bojo da Lei 9.656, modificada pelas Medidas Provisórias subsequentes, havia um interesse do Ministério da Saúde em excluir do mercado de saúde suplementar as seguradoras, porque eles entendiam que as seguradoras tinham um foco financeiro e que isso contrariava o objetivo maior da regulação em saúde, então deveriam ser somente admitidas aquelas especialidades que foram alcançadas inicialmente pela Lei 9.656 (…) e as seguradoras então deveriam se transformar em medicinas de grupo. Era este o objetivo do governo, que elas deixassem de ser seguradoras e passassem a ser medicinas de grupo (MENDES, 2016).

A executiva recorda que a ANS entendeu que não havia motivos para a exclusão das seguradoras, já que forneciam excelentes produtos em razão da capacidade econômico-financeira que detinham (MENDES, 2016).

Ao longo da sua trajetória de 15 anos a FenaSaúde tem se engajado na defesa dos interesses do setor, combatendo fraudes e empreendendo esforços na conscientização da população sobre a importância da utilização responsável dos planos de saúde por meio do lançamento de uma série de títulos, entre os quais destacamos o livreto “Saúde Suplementar: Aspectos Regulatórios” (2011), o guia “Por dentro da Saúde Suplementar: Guia Prático para Corretores” (2011) e a “Cartilha de Hábitos Saudáveis” (2011), que tem o objetivo de estimular a adoção de hábitos saudáveis e fornecer orientações quanto ao bom uso do plano de saúde.

Em 2013, a FenaSaúde lançou a plataforma de Comunicação “Planos e Seguros de Saúde: O que Saber”, e no ano seguinte deu início à uma série de livretos de mesmo nome, que foi inaugurada pelo “Guia do Consumidor” (2014), que esclarece questões referentes aos planos de saúde utilizando linguagem didática e acessível, e pelo “Guia da Gestante” (2014), que traz 46 respostas elucidativas sobre os benefícios assegurados à gestante e ao recém-nascido.

Em 2015, a cidade de São Paulo sediou o 1º Fórum de Saúde Suplementar, entre os dias 24 e 25 de novembro. Organizado pela FenaSaúde, o evento reuniu representantes do setor, de órgãos governamentais, médicos e especialistas, com o objetivo de propor novas soluções para o sistema que tem entre os seus principais desafios o equilíbrio das contas e a sustentabilidade econômica. “Para que o setor seja sustentável, ele deve encontrar na sociedade a sua viabilidade econômica”, afirmou Sandro Leal, então gerente geral da FenaSaúde, em entrevista ao jornal Estadão (ESTADÃO, 2015, p.2).

Marcio Coriolano, então presidente da FenaSaúde naquele contexto, destacou que a dificuldade de equilibrar custos médicos e os preços dos planos de saúde se deve à demanda incessante da sociedade por melhores condições de saúde, longevidade e bem-estar. “A indústria de medicamentos, materiais, de inovação médica e os prestadores de serviços têm respondido a essa demanda muito rapidamente. Como resultado, a cada dia surgem novos equipamentos, novos materiais, novas técnicas, que trazem consigo um custo muito elevado”, elucidou Coriolano (ESTADÃO, 2015, p.3).

A 5ª edição do evento foi realizada em 24 de outubro de 2019, em Brasília, durante a gestão da então presidente Solange Beatriz Palheiro Mendes, que abriu o evento convidando todos os elos da cadeia produtiva para um diálogo sobre os principais desafios da Saúde Suplementar no Brasil. A executiva enfatizou que uma das missões da FenaSaúde é disseminar informação qualificada, e lembrou que o Fórum tem como objetivo facilitar a troca de ideias, apoiada sobre bases sólidas, reunindo especialistas com capacidade e disposição para o diálogo. A então presidente da FenaSaúde falou ainda sobre a necessidade de se buscar uma convergência capaz de construir uma saúde suplementar sustentável como o setor deseja, e resolutiva como os beneficiários merecem (FENASAÚDE, 2019).

Visando contribuir para o esclarecimento e o cuidado da população durante o quadro epidemiológico de Chikungunya e Zika que marcou o ano de 2016 e que levou a óbito centenas de brasileiros, a FenaSaúde publicou o “Guia Zika, Dengue e Chikungunya” e o “Guia Zika Vírus e a Gestação”.  Dois anos mais tarde, no contexto das eleições presidenciais, a Federação endereçou aos candidatos à Presidência da República a publicação “Desafios da Saúde Suplementar 2019” com o objetivo de evidenciar a importância econômica do setor e os desafios no campo regulatório para o desenvolvimento da saúde suplementar. O documento também apresentou 11 grandes propostas, entre elas, “o foco no atendimento especializado para a Atenção Primária à Saúde – APS, e as mudanças na regra de precificação e reajuste, e no modelo de remuneração dos prestadores” (CNSEG, 2018).

Ainda em 2018, o reajuste das mensalidades dos planos de saúde foi o fio condutor de duas importantes ações de comunicação da FenaSaúde, como o lançamento da campanha “Reajuste nos Planos de Saúde: Como Funciona?”, em formato de animação objetivando elucidar o tema de forma simples e didática, e da campanha publicitária “Quem faz as contas, tem plano de saúde”, que atingiu 29,5 milhões de telespectadores na televisão aberta, 14 milhões de visualizações no Youtube e quase 15 milhões de ouvintes nas rádios (RELATÓRIO ANUAL DE ATIVIDADES CNSEG, 2018, p. 169).

Em 6 de fevereiro de 2019, o economista e vice-presidente do Grupo Notredame Intermédica, responsável pela Interodonto, segundo maior plano odontológico do Brasil, João Alceu Amoroso Lima, assumiu a presidência da FenaSaúde, para o triênio 2019-2021. O reposicionamento da imagem e a ampliação do alcance das mensagens de interesse das operadoras de planos e seguros privados de assistência à saúde perante a opinião pública foi a grande estratégia da FenaSaúde em 2019. Entre as ações de maior relevo destaca-se o lançamento da publicação “Mais Saúde – Uma nova saúde suplementar para mais brasileiros“. Todas estas iniciativas estão fundamentadas na certeza de que “a saúde suplementar precisa ser conhecida em seus fundamentos, seus conceitos, sua dinâmica própria e arcabouço regulatório peculiar”, afirma Marcio Coriolano no prefácio do livro “Fundamentos, regulação e desafios da saúde suplementar no Brasil”, (ALVES, 2015, p.15).

A importância do setor para o bom funcionamento de toda a cadeia produtiva de saúde no país foi tangibilizada pela pandemia do novo coronavírus. Segundo dados divulgados pela FenaSaúde, em 06 de maio de 2021, entre março de 2020 e março de 2021 o sistema de saúde suplementar ganhou a adesão de 1 milhão de novos usuários e chegou a 48 milhões de beneficiários, o maior resultado desde setembro de 2016. “A pandemia mostrou como a saúde suplementar é essencial para as pessoas. As pessoas passaram a valorizar mais ainda esse acesso à saúde privada, via planos de saúde”, afirmou Vera Valente, diretora executiva da FenaSaúde, em entrevista à Rádio CNseg (VALENTE, 2020).

Para o presidente da CNseg, Marcio Coriolano, a pandemia ampliou os sentimentos de finitude e de aversão a riscos, fazendo com que a população adotasse um padrão mais elevado de preocupação com a saúde e a vida, e com que as empresas redobrassem a preocupação com a saúde de seus funcionários.

Os setores público e privado seguem unidos em parceria no combate a Covid-19, possibilitando a prestação de tratamento adequado para milhões de pessoas. Ao responder à uma das maiores crises que o país já atravessou com solidez e resiliência, a saúde suplementar mais uma vez demonstra capacidade técnica e financeira, e evidencia o seu importante papel social.

Guias e Cartilhas
Fonte: FenaSaúde

 

Foto: Acervo Xico Tebaldi
A imagem é do antigo INAMPS (Instituto Nacional de Assistência Médica e Previdência Social), órgão que substituiu o INPS (Instituto Nacional de Previdência Social), atualmente INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social).
Fonte: Jornal Boa Noite
Manifestantes fazem ato em 1998: a saúde gratuita foi um dos direitos sociais incluídos na nova Constituição
Fonte: Senado Federal

Publicado em:12.05.2022

[1] Luiz Carlos Trabuco Cappi, foi o primeiro presidente da FenaSaúde. Atualmente é presidente do Conselho de Administração do Bradesco e Membro de Notório Saber do Conselho Consultivo da CNseg

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